quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A ideologia de Cazuza e a filosofia dos cigarros Free.

Quando eu tinha quinze anos em 1988, Cazuza lançou a música Ideologia. Discutia-se que os jovens poderiam votar a partir dos 16 anos e que isto seria uma estratégia da burguesia (nossa, estou usando a palavra burguesia. Viu como eu tinha mesmo 15 anos na década de 80?) para obter mais votos para os partidos de direita.

O que os jovens fizeram então foi tirar seu título de eleitor e votar na esquerda. Eu mesma, na minha primavera, fiz campanha para o Roberto Freire, PCB à época, embora não tenha completado idade suficiente para votar naquele pleito.

Ao mesmo tempo que discutíamos política, deixávamos pouco a pouco para trás o medo de uma Terceira Guerra Mundial com bombas atômicas e o extermínio da humanidade. Alguns de nós comemorava seu Baile de Debutantes ou ia para intercâmbios no exterior.

Nos anos 80 – hoje tão cortejados pela molecada da geração Y – era difícil você ter uma ideologia 100%, porque nossas lutas de classe eram, em grande medida, as lutas de nossos pais. E o futuro era (vagamente) mais promissor que ameaçador. Então, se Cazuza queria uma ideologia para viver, nós queríamos apenas poder dirigir aos 16 anos também, por questões de paridade de direitos.

Acho que foi a partir deste cenário cambiante que, passadas duas décadas, a palavra ideologia deixou de ser desejada. Da luta de classes, agora se luta por sua própria felicidade. As pessoas foram buscar ser saudáveis, ser jovens, ser belas, ter prazer, ter sucesso, ter paz de espírito. Hoje em dia, apenas os muito velhos, ou os muito rebeldes, ou os muito anacrônicos têm ideologia: todos querem é seguir uma filosofia de vida.

Eu mesma entro no rol: busquei o yoga como filosofia e deixei de lado minhas ideologias adolescentes. Filosofia é mais brando, não pressupõe confronto. Quem primeiro percebeu isso foi a publicidade. Sei que atualmente é errado elogiar este tipo de anúncio, mas a propaganda mais bacana de minha geração foi a dos cigarros Free, “cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”.

Depois do Free, ninguém mais quis parecer cafona a ponto de brigar. Até mesmo uma ideologia combativa como a do vegetarianismo - que, de maneira refinada, acusa a humanidade de ser homicida -, não é tomada como tal, mas preferencialmente como uma filosofia.

Então somos todos filósofos. Ninguém se movimenta mais por ideal nenhum.

O que acho uma pena. Acho de uma pena miserável. Quando surge uma problema que precisa ser combatido, dos terríveis aos mais cândidos, nós que somos filósofos não conseguimos nos mobilizar, não sabemos por onde começar a exigir direitos e cobrar deveres.

E não fazemos nada.

A única coisa que tira nós filófosos de nossas posições é quando precisamos reivindicar aumento de salário. O mundo muda, mas uma coisa continua perene: em questão de dinheiro, só existe uma filosofia: a ideologia do ganhar mais.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Papo de taxista

Curitiba se orgulha de ter sido a primeira em muitas coisas no Brasil. Orgulha de ter sido, por exemplo, a primeira capital com rádio-táxi do país. Passados 35 anos da inauguração deste serviço, a cidade pode se orgulhar agora de ter um dos sistemas de táxis mais defasados também.

Foi junto com a inauguração da Associação Rádio Táxi Faixa Vermelha na capital que a prefeitura concedeu as últimas licenças de táxi. Depois disso, nadica de nada. Curitiba hoje conta com 2.252 carros circulando, ou seja, 775 carros para cada curitibano. Você não leu errado: Curitiba não aumenta sua frota de táxis desde 1976.

Eu, como passageira diária, sinto na pele o mau atendimento. Nos últimos dois anos, que considero os que definitivamente sepultaram o serviço na cidade, desenvolvi algumas estratégias para me precaver da falta de carros. Uma delas foi ter no celular o número de todas as centrais de rádio-táxi. Ligo para uma, não atende. Ligo para outra, não atende. Ligo para a terceira, atendem, mas não têm táxi. Ligo para a quarta e eles mandam um carro que demora 45 minutos. Quando preciso ligar para a quinta, já cheguei em casa andando a pé.

Outra resolução que tomei foi enviar um tweet para a conta do Prefeito, da URBS e da Prefeitura toda a vez que não consigo pegar um táxi. Acho que acabei inundando as contas deles e devo ter sido bloqueada. Daí, desisti da artimanha.

Decidi, como toda civil, acompanhar as discussões políticas sobre a emissão de novas licenças na cidade. Se hoje já está um lixo, imagine como será perto da Copa do Mundo?!

Então soube pela boca de um taxista que a classe estava sugerindo à Prefeitura que trouxesse táxis do interior do estado para atender a demanda durante a Copa. Surtei! Se a Prefeitura acatasse tal disparate, seriam mais 35 anos sem novas licenças na cidade.

Inconformada com a sugestão, resolvi perguntar para todo taxista que conheço numa corrida como resolver o problema do serviço na cidade. Ouvi muito papo e nenhuma solução focada naquele que é a principal razão de ser de um táxi: o passageiro. Percebi que este é um assunto espinhento.

Há taxistas que dizem que o problema é a venda de carro com IPI baixo. Agora devem estar sorrindo, porque o PT resolveu subir o IPI dos importados. Tem taxista que diz que não adianta pôr mais táxi na cidade porque as ruas só ficarão mais cheias: precisa, antes, construir pontilhão, viaduto, trincheira e os escambau para melhorar a mobilidade.

Também conheci a turma dos sem-rádio-táxi que diz que, na hora do rush, os com-rádio-táxi não querem atender chamadas da central porque sabem que se ficarem nos pontos ganharão corridas melhores. E existe a tribo dos conspiracionistas que diz que os políticos e juristas da capital detêm as placas na cidade e fazem lobby para não liberarem mais. Hoje, uma licença de táxi chega a valer 100 mil reais no mercado paralelo, enquanto a URBS cobra 2 mil para realizar a troca de titularidade.

Nestes 15 anos em que morro em Curitiba, nunca ouvi um taxista olhar para mim e me dizer: “De fato, há poucos táxis na cidade.” Nunca!

Sabe o que fiz? Comprei um carro. Taxista faz lobby. Consumidor compra.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Jo Rowling existiu.

VIra e mexe estou lendo o próprio ou sobre Shakespeare. Costumo citar Vinícius para falar destas coisas que me perseguem desde a mais terna adolescência: lê-lo é uma paixão permanente nesta minha vida de constante exilada.

Talvez por isso, quando me senti o mais apartada possível de qualquer vida sã, trabalhando até 12 horas por dia no marketing da extinta Global Telecom, eu decidi colar uma citação de Sonhos de Uma Noite de Verão no MDF da minha baia:

“Somos da matéria de que os sonhos são feitos e nossa breve vida é circundada pelo sono.”

Vai desta minha permanente paixão que criei olhos atentos para ler o nome Shakespeare em qualquer livro num parede forrada nas Fnacs da vida e topei com dois, que comprei imediatamente: 1599, Um Ano na Vida de Shakespeare, de James Shapiro, e O Cânone Ocidental, de Harold Bloom.

Como estou afastada das bancadas acadêmicas desde que saí diplomada bacharel em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas em 1995, fiquei admirada das questões que se punham à leitura de Shakespeare.

Em primeiro lugar, eu nem sabia que duvidavam de sua existência. Que a sua biografia fosse precária, eu sabia. Mas, para mim, Shakespeare é Shakespeare e depois de vê-lo nos longos cílios de Joseph Fiennes em Shakespeare Apaixonado, nunca nem mais me lembrei dos retratos que o pintaram feioso e ele se tornou vivinho da Silva.

Então fiquei chocada ao perceber que duvidavam da sua existência porque não compreendiam como uma Inglaterra elisabetana poderia ter criado um gênio tão atemporal, ou porque o feminismo, ou o marxismo ou o neo-historicismo tentavam soterrá-lo a favor de necessidades mais temporâneas.

Assombrada de que quisessem usurpar-lhe o amor que lhe devoto, gelei ao pensar que meu outro objeto de devoção inglês um dia poderá ser questionado da mesma forma: num futuro distante, talvez daqui 300 ou 400 anos, olharão para trás e suporão que nunca houve uma Jo Rowling.

Não quero aqui comparar talentos. Uno Shakespeare e Jo Rowling apenas porque os amo igualmente. Não estudei Letras: sou linguista. E não fiz carreira na academia, mas no marketing. Uno-os, portanto. É minha licença poética.

Então, para que não haja dúvidas, alardeio ao porvir: Jo Rowling existiu e foi ela mesmo quem escreveu Harry Potter. Não foi seu marido, não foi seu inimigo, não foram seus editores, não foi nem sequer um homem sob pseudônimo: foi ela mesma, mulher, loira, genial, divorciada e casada novamente. Ela existiu e seus milhões de fãs se espalham, como outrora, por todo o globo.

Indeed!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Este assento nao é seu nem por 1 minuto.

Sou super fã confessa das campanhas educativas, porque acho que só pela insistência certas civilidades entram na cabeça do povo.

Agora é a vez dos portadores de necessidades especiais inundarem o You Tube com vídeos mostrando a importância de se respeitar as vagas destinadas a eles nos estacionamentos. Justíssimo, porque, de fato, elas não são nossas, nem por uma fração de minuto.

Cada um tem sua bandeira e outra que eu acho que deveria urgentemente ser empunhada é a do respeito aos idosos nos ônibus. Nos estacionamentos, sempre olhamos ao redor e vemos uma ou duas vagas de idosos vazias. Não conheço a estatística de quantos idosos dirigem, talvez sejam poucos, talvez peguem um maior número de carona que saiam em seus próprios carros.

Já o número de idosos que andam de bondão, isso conheço bem. É grande.

Num destes ônibus normais de Curitiba, de uma vagão apenas, há em média seis assentos destinados aos velhinhos. Num ônibus menor, há normalmente quatro. Nos biarticulados há seis por vagão, em média. Como estes assentos estão sempre cheios, suponho que haja mais idosos que assentos especiais.

Curioso é que, se um idoso entra num estacionamento e percebe que todas as vagas especiais estão ocupadas, ele não hesita em parar seu carro numa vaga normal. Por que será que então, num ônibus, quando todos os assentos de idosos estão ocupados, ele hesita em sentar num outro qualquer?

Mayra boba, a resposta é clara: porque nos outros lugares estão indolentes e insolentes jovens, sentados como se tivessem voltado da guerra, dormindo, ou cochilando, ou fazendo cara de dor, ou hiperfocados em olhar para a frente, absortos em suas próprias ilusões de saúde eterna.

Que velhinho teria coragem de lhes pedir um lugar?

Certa vez, eu contei nove velhinhos num ônibus. Como havia apenas seis assentos especiais, sobravam três em pé e ninguém para lhes oferecer um lugar. Aquilo me deixou indignada mas, como eles, temo pedir uma vaga e ser mal-tratada pelos jovens que, aliás, estão se acostumando a ter um pouco mais de idade do que eu.

A vingança perfeita seria um deles descer no ponto ao lado de uma velhinha queixando-se da dor que ficou no joelho de fazer a viagem em pé e descobrir que aquela velhinha era, na verdade, sua avó, que ele não reconheceu de bate-pronto porque dormia com a cabeça encostada no vidro, fechado em seus óculos escuros, babando um chiclete parado dentro da boca e surdo ao mundo devido a fones de ouvido.

Na próxima vez que você vir um idoso no ônibus, lembre-se de que lhe daria seu lugar se ele fosse seu avô. Ou pense que ele pode ser o avô do futuro amor de sua vida, do seu futuro patrão, ou do futuro médico que irá atendê-lo quando você mesmo estiver se queixando de dor. É sempre fundamental tratar bem um avô.

***

BTW, veja este video sobre a campanha educativa Esta Vaga Não É Sua Nem Por 1 Minuto.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O câmbio automático que eu não tenho.

Ah, as delícias da marcha automática… Primeiramente, a temida rampa: nunca mais ficar em apuros numa subida. Em Curitiba, dirigir e fazer bem uma rampa é questão essencial de sobrevivência no trânsito.

Me lembro da ladeira da Brigadeiro Franco com a Julia Wanderley, nas Mercês, terrível! E aquela ladeira da Senador Xavier da Silva com a Nilo Peçanha, no São Francisco? O cemitério fica ao lado, super agourento para quem não sabe sair com o carro parado numa subida.

Todas estas aflições seriam fichinha para um bravo, raçudo e corajoso câmbio automático.

Depois, os cruzamentos. Um cruzamento banal como a José de Alencar com a Conselheiro Carrão - coisa de pouca monta aquilo de arrancar rápido para cruzar uma via rápida. Que motorista iniciante consegue arrancar um carro com facilidade?! O troço de soltar a embreagem e pisar mais forte no acelerador sem pular pra trás é dificílimo. Dá medo. Mas nada que um destemido e prático câmbio automático não fizesse num pé só!

Finalmente, trânsito lento. Sim, recém habilitados temem velocidade, mas se pelam de medo daquela coisa de andar em primeira, quase pôr segunda, parar e deixar o carro morrer. Um câmbio automático paciente, valente e incansável nunca se apoquentaria com situações como estas.

Um motorista novato precisa aprender a dirigir bem e isto significa usar a tranqueira da embreagem. Você até inventa mil e um caminhos alternativos para não pegar semáforos em subidas, não entrar na Marechal Deodoro na hora do rush; dá sempre um jeito de cruzar preferenciais ou só andar por onde tem sinaleiros de três fases. Mas chega um dia que você se vê no pior dos mundos: no estacionamento de shopping center.

O que seria o ambiente mais confortável e seguro para você dirigir se torna um pesadelo sem fim: rampas em pouca velocidade e uma fila de carros atrás de você querendo que ande mais rápido.

Aquele câmbio automático, que não está no seu carro, tiraria de letra. Só que você tem o seu, um com desenhinhos de retas e números. Lembra que a primeira pode não entrar, então tem que bombear a embreagem. Céus, como fazer isso na subida?! Ai, aquele maldito colou na minha traseira. Será que ele não percebe que peguei a carteira agora?! Cristo, me ajude! E você puxa o freio de mão.

Ah, as delícias do freio de mão…

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

No 0800, tecle 9 se for paranormal.

“Detesto prever. No caso da banda larga, quando começou a falhar em casa, desde o início eu sabia que era o modem. Apanho muito configurando email, rede sem fio e o escambau, mas eu tinha certeza de que o problema era o modem.” – explica a professora Mariluce Cerqueira e Costa no caso que demorou quase 60 dias para ser resolvido por sua telefônica.

“Sobre o prazo que a empresa me deu para realizar a troca do produto que comprei com defeito: eu previ que eles não entregariam. Liguei dez vezes no SAC e nas dez vezes ouvi os atendentes garantindo que o prazo seria cumprido. No entanto, eu sentia que eles iriam falhar.” – declara a dona-de-casa Mônica Costenaro e Campos, que até hoje, decorridos mais de 30 dias, aguarda o notebook com defeito ser trocado pela garantia.

Saber, ter certeza, prever, sentir – todas são qualidades de um novo tipo de consumidor: o consumidor paranormal. Às vésperas de 2012, os canais sensitivos dos consumidores se abrem para premonições que as empresas ainda não sabem como tratar.

“É incrível!” – comenta Gilberto Vieira Tenório, diretor do Serviço de Atendimento ao Cliente da Vivaldi Telecom. “É incrível o que estes consumidores são capazes de prever. Eles ligam para nós afirmando que a banda larga não está funcionando por causa de nosso modem. Fazemos testes demoradíssimos com eles, todos apontando que o problema está no roteador sem fio ou na interferência do aparelho de telefone de sua casa. Eles ficam nos ouvindo por horas e dias enquanto afirmamos que o problema não é nosso, e quando finalmente resolvemos trocar o modem, a internet volta a funcionar perfeitamente. Como eles podiam saber?”

Para a consultoria Menezes Costa e Camargo, histórias como as de Mariluce são cada vez mais comuns e não deveriam causar espanto a diretores experientes como é o caso do Sr. G.V.T. A consultoria coleciona depoimentos similares, a exemplo da consumidora Mônica, ouvida por nossa equipe, que sabia que seu notebook Riulet Pacar não seria trocado no prazo estipulado pelo serviço de garantia da Aghapé do Brasil.

Um representante da consultoria diz que as companhias estão perdendo por não atenderem adequadamente estes clientes paranormais. Como eles sabem que o produto que compraram estragou mesmo – e não foi apenas uma dificuldade em usá-lo; como sabem que o serviço de troca não funciona – apesar do sistema da empresa dizer que será trocado; como sabem que devem falar diretamente com o supervisor para resolver seus casos – apesar dos atendentes dizerem que eles mesmos têm autonomia para tal; como estes novos clientes sabem o que vai acontecer, deveriam ser ouvidos com prioridade. “O potencial para melhorar processos internos é inesgotável se as empresas deram ouvidos aos paranormais”, afirma a Menezes C. e C.

Aos leitores desta reportagem, a consultoria deu um conselho radical: “No futuro, só irá sobreviver a empresa que abrir uma linha de comunicação direta com os consumidores paranormais. Eles sabem o que a empresa insiste em dizer que eles não sabem. Então, por que não aproveitar este conhecimento?”

A consultoria completa: “Aquele ‘tecle zero para falar com um de nossos atendentes’ não é mais o paradigma. A nova fronteira da excelência em atendimento é implantar o ‘tecle 9 se for paranormal'.”

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Desculpe por pagar

Eu sou a consumidora das causas impopulares. Minhas recentes brigas são a demanda por mais táxis em Curitiba e a demanda contra reajuste escolar acima da inflação.

A impopularidade de minhas causas é que são coisa de gente, acham, rica. Popular que é popular só demanda aumento de salário-mínimo, demanda cotas em ProUni, demanda esgoto e asfalto no bairro, demanda creche em período integral, demanda prioridade no serviço do SUS, demanda congelamento na tarifa de ônibus.

Então, quando eu reclamo coisas a que a maior parte da população brasileira não tem acesso, me pecham de reacionária, direitista, fascista, nazista e coisas do gênero.

Não sou rica. Rico é Eike Batista, Abílio Diniz, Paulo Lemann, Marcel Telles. Gente assim. Graças às condições iniciais que meus pais me deram e graças sobretudo ao meu trabalho, sou classe média. Antes não fosse, porque classe média neste país sofre de duas doenças, uma mais perniciosa que a outra, que acabarão por matá-la antes de chegar à maturidade.

Sofre, primeiramente, de achar que não deve lutar por seus próprios direitos, porque já tem mais que os pobres. Pensa que, se reivindicar alguma coisa, estará reclamando de barriga-cheia, e que deve suportar tudo já que consegue pagar por escola, plano de saúde, financiamento habitacional e de automóvel.

Classe média tem que pedir desculpas à população por conseguir pagar.

Depois, a classe média detesta reclamar de preço. Detesta pedir desconto. Tem paúra de negociar. Só haverá de negociar se for para não ser chamada de otária, porque daí compartilha um trauma nacional, que passa indelével por todas as classes sociais: brasileiro odeia ser chamado de bobo. Se não for por isso, classe média prefere pagar no crédito a pedir desconto para não parecer que tem menos dinheiro.

No ano passado, quando compartilhei minha indignação junto a outros pais sobre o aumento abusivo da mensalidade da escola de nossos filhos, senti-me ferindo um código de honra, um código absurdo que me fez ter vergonha de não concordar em pagar o que a escola pedia. É como se eu estivesse dizendo a todos que não tenho a mesma condição financeira que eles e, dito isto, imediatamente eles se opuseram a mim porque não queriam se rebaixar a minha condição financeira.

Confuso? Sim. Os sentimentos da classe média são dúbios e é por isso que a última eleição presidencial ficou parecendo luta de classes (mas não era). A classe média, de um lado, apertada em seu orçamento doméstico, achando que reclamar era ser menos rica; e, de outro, a classe que prefiro chamar de “menos média” achando que a “mais média” era insensível à pobreza e miséria do país.

Desculpe-me a franqueza: direita e esquerda no Brasil - tudo é classe média. No mais, há o partido dos que nem sabe que elas existem e o daqueles que determinam qual delas ganhará as eleições. Neste debate, perpretado nos Orkuts, Twitters e Facebooks da vida, não havia ninguém realmente pobre falando por si: eram os “mais média” contra os “menos média”. Algo surreal.

Acredito que todos devemos reclamar. Classe média tem que brigar por aquilo que lhe afeta mais corriqueiramente, por que não? Se não brigar, ficará cada vez mais isolada, não podendo agir nem em causa própria, nem em causa alheia; em suma, não podendo agir pela causa de um Brasil de todos.

***

Se você tem filhos em escola particular, largue mão de seus fantasmas e reclame contra o reajuste escolar acima da inflação. Assine a petição online que criei em:

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N13771

Esta petição será entregue ao Sindicato das Escolas Particulares do Paraná como forma de mostrar que repudiamos a arbritariedade dos reajustes de valores. Está muito aquém do que civis podem fazer se de fato se organizarem, mas já é um primeiro passo. É imprescindível dar o primeiro passo.